Em um tempo marcado pela pluralidade de métodos e pela crescente influência de abordagens terapêuticas seculares, a igreja de Cristo se vê diante de uma questão decisiva: qual é a sua identidade funcional? A pergunta não é se a igreja tem uma identidade — todas têm —, mas qual identidade tem moldado suas ações, prioridades e ministérios. Lane e Tripp, em um ensaio lúcido e pastoral, nos lembram de que “mesmo as coisas boas podem substituir Cristo como fonte de vida e cabeça da igreja”. Esse alerta precisa ser ouvido com humildade por líderes, conselheiros e membros.

O aconselhamento bíblico, em particular, tem sido um dos campos mais afetados por essa redefinição de identidade. Em muitos contextos, ele foi diluído em práticas terapêuticas centradas no eu, moldado por categorias sociológicas, emocionais ou comportamentais que, embora úteis em certo grau, falham em atingir o cerne do problema humano: o pecado e a alienação de Deus. A tradição reformada calvinista nunca deixou de afirmar que a raiz de todo mal está no coração pecaminoso, e que a única cura duradoura está em Cristo, aplicado pela Palavra, no poder do Espírito.

A igreja, portanto, não é chamada a se adaptar aos moldes do mundo, mas a conformar todas as suas práticas à suficiência das Escrituras. Isso inclui o modo como ela cuida dos feridos, exorta os desanimados, consola os abatidos e corrige os desviados. O aconselhamento bíblico cristocêntrico não é uma alternativa entre outras; é o modo como a igreja aplica o evangelho à vida concreta dos seus membros. Ele não substitui a pregação pública, mas a complementa no cuidado individualizado. Não ignora os sofrimentos humanos, mas os interpreta à luz da cruz e da ressurreição.

O coração humano não é um enigma que precisa apenas de técnicas, mas um templo que precisa ser purificado e redirecionado ao seu Criador. Por isso, a figura do conselheiro cristão não é a de um especialista neutro, mas de um irmão em Cristo que, armado com a Palavra, conduz o outro à presença de Deus. Seu objetivo não é fazer com que o aconselhado “se sinta melhor”, mas que ele “seja transformado”. Isso exige coragem, paciência, sabedoria pastoral e, acima de tudo, submissão às Escrituras como autoridade final.

Ao contrário do que muitos imaginam, esse tipo de aconselhamento não despreza os conhecimentos gerais da psicologia ou da sociologia. O que ele recusa é a ideia de que tais saberes possam fornecer a base ou o objetivo último da restauração espiritual. A fé reformada insiste: o problema do ser humano é espiritual, e sua solução também deve ser. As Escrituras não são um manual de autoajuda, mas a revelação do Deus vivo que, em Cristo, oferece redenção completa — não apenas para a alma, mas para todo o ser.

Nesse sentido, a identidade da igreja não pode ser definida por faixas etárias, níveis educacionais, traumas coletivos ou afinidades culturais. Quando isso ocorre, mesmo de forma sutil, Cristo é deslocado do centro e substituído por agendas paralelas, ainda que com aparência de piedade. O ministério do aconselhamento se torna, então, apenas um mecanismo de ajuste social ou emocional, e a igreja perde sua vocação profética. A verdadeira identidade da igreja está em ser o Corpo de Cristo, onde Ele é o cabeça, e onde tudo deve convergir para Ele.

Cristo é suficiente. Essa é a confissão da fé reformada, e ela precisa ser recuperada com vigor. Um aconselhamento que não parte da cruz e não conduz à cruz pode até produzir alívio temporário, mas jamais a transformação que glorifica a Deus. Como bem escreveu Calvino: “Nosso coração é uma fábrica de ídolos”. E apenas o evangelho, aplicado com fidelidade, tem o poder de destruí-los e restaurar o coração para a adoração do Deus verdadeiro.

Por isso, reafirmamos com convicção: o aconselhamento bíblico cristocêntrico é inegociável. Ele não é opcional nem ório. Ele é o ministério pastoral que desce ao cotidiano, às lágrimas e aos pecados, e ali aplica a verdade libertadora do evangelho. Em tempos de fragmentação, confusão de identidades e diagnósticos superficiais, é preciso que a igreja recupere seu chamado: não moldar-se à cultura, mas moldar corações à imagem de Cristo. E isso começa por um ministério que não cede a substituições — mesmo as boas —, mas que permanece firme no fundamento eterno: Cristo em nós, esperança da glória.